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Memórias do presídio da Ilha Grande durante a ditadura militar

  • Foto do escritor: memoriasdaditadura
    memoriasdaditadura
  • 3 de jun.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 9 de jun.


Entrada do antigo presídio e atual museu. Reprodução/Nicholas Bitencourt
Entrada do antigo presídio e atual museu. Reprodução/Nicholas Bitencourt

Por Murilo Lessa



O Museu do Cárcere é um local de memória situado na parte não implodida do Instituto Penal Cândido Mendes (IPCM). Ele expõe a história do próprio presídio e do antecessor, Lazareto. Na exibição do museu, estão fotos e um breve relato da história penal de presos comuns e políticos. Mas há uma divergência entre a história contada pelo memorial e mídia da época com os relatos de presos políticos e estudiosos do presídio. O advogado e ex-preso político, José Carlos Tórtima, lamenta essa versão propagada pelo Museu e apresenta o outro lado da história. 

 

O IPCM era uma antiga colônia penal localizada na Ilha Grande, na região sul do Rio de Janeiro, que foi transformada em presídio no ano de 1954. O foco era servir como local de isolamento dos presos considerados mais perigosos, já que a fuga da ilha era difícil. 


No início da ditadura no Brasil, em 1964, o presídio passou a abrigar presos políticos. Entre eles estava Tórtima. O advogado foi preso em 1969, no período da criação da Lei de Segurança Nacional (LSN), que tornou mais rígidas as penas para sequestradores, assaltantes de bancos etc. Partes desses crimes foram utilizados por revolucionários para financiar movimentos clandestinos, o que os enquadra na Lei. Tórtima estava ligado a grupos políticos que agiam dessa forma. 


José Tórtima conta que a relação entre os presos, na verdade, era de distanciamento, ao contrário do que foi difundido após o fim da ditadura. Em grande parte do período que passou preso, disse que o lado político do presídio temia algumas atitudes dos presos comuns. Exemplo disso é a história com a gangue do Ferrucho.


- “Só uma vez que o Ferrucho tentou abusar de um rapaz. A gente enfrentou a gangue do Ferrucho e levamos a melhor. Estávamos em mais gente”, relata Tórtima


O rapaz era Juca, um jovem soldado da aeronáutica, que foi preso “provavelmente por algum delito”, segundo Tórtima. Os presos políticos, ao saberem do acontecido, decidiram reagir, o que levou a uma briga generalizada. Os revolucionários acabaram vencendo o conflito. 


O perfil dos presos políticos

A historiadora responsável pela monografia “O presídio da Ilha Grande e o surgimento da Falange Vermelha”, Manuela Coimbra, disse em entrevista que esse distanciamento tinha um fundamento ideológico. Ao ser perguntada sobre uma possível distância de ideais entre presos, ela responde: 


- “Com certeza, era só olhar o perfil dos presos políticos. Quem era da luta armada era branco, da zona sul, de classe média. Já os presos comuns era quem, pardos, negros, perifericos.”, afirma a historiadora 


O texto da historiadora cita dados mais concretos. Cerca 39% dos presos durante o período da ditadura tinham 25 anos ou menos e vinham de centros urbanos, além da metade desse grupo ter concluído a Universidade. Também é apresentado no texto, em grande maoria, tinham formação religiosa, o que influenciava nas regras impostas, como a proibição do uso de drogas, sexo nas celas e estupros. Tórtima também mencionou que após a vitória contra a gangue do Ferrucho, eles imporam a proibição do “uso de drogas e qualquer violência sexual”


No mesmo presídio estava o jornalista Fernando Gabeira, que foi preso por fazer parte do sequestro do embaixador americano, em 1969, ano da LSN. Mas foi liberado quando presos foram trocados por responsáveis pelo sequestro do embaixador alemão, em 1970. 

No período que esteve lá, relatou o mesmo que José Tórtima. As celas eram grandes, tinha roupa, direito a banho e uma comida razoável, além da relação distante dos presos comuns. A única diferença estava no local de sua cela. Ao lado de sua cela ficava uma solitária, local de tortura para os presos chamados de indiciplinados, onde eram escutados gritos. Tórtima relata também que viu algumas torturas com choque elétricos contras esses presos, em quase todos os casos, comuns. 


Fim do IPCM e surgimentos do Museu

Após o IPCM ser desativado em 1994, os presos comuns restantes foram transferidos para o presídio de Bangu, junto com parte dos documentos. Alguns espaços do prédio foram implodidos e a região onde ficava cogitada para se tornar um resort, mas acabou sendo cedida para a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).


Graças a esse movimento do governo estadual e pesquisas comandadas pela Uerj, documentos após 1960 que estavam em Bangu e na casa de alguns antigos carcerários, foram recuperados e levados para o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (Aperj), possibilitando também a criação do Museu do Cárcere, instalado na ala que sobrou do presídio.  


Hoje o Museu do Cárcere expõe a história carcerária da Ilha Grande, abrangendo o presídio Lazareto, que operou de 1871 a 1954, e do próprio Cândido Mendes. Entre as exposições, há sobre o sistema carcerário carioca, dos 100 anos dos presídios da Ilha Grande e de Sr. Júlio, um personagem importante da história penitenciária da ilha. 


No conteúdo exibido em “100 anos de presídios”, estão fotos e uma breve descrição do processo de prisão de presos políticos e comuns do Lazareto e IPCM. Entre os políticos, Carlos Marighela, Graciliano Ramos e o entrevistado nesta reportagem, Fernando Gabeira. 







Como casos não políticos, como de presos comuns, que sofreram com a repressão do estado durante a ditadura, também podem ser considerados objetos para construir uma memória sobre esse período?


Como outros presídios, como o da Ilha Grande, utilizados pelo governo ditatorial, podem, em certas condições, virarem locais de memória?


Como histórias deturpadas pelo governo militar podem ser reescritas corretamente com movimentos como a Comissão Nacional da Verdade? 


 
 
 

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