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Casa da morte de Petrópolis: O primeiro memorial sobre a ditadura militar no Rio de Janeiro contará história das vítimas de tortura

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    memoriasdaditadura
  • 11 de jun.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 23 de jul.

Protesto a favor da transformação da Casa da Morte de Petrópolis em espaço de memória. Reprodução/Rafane Paixão
Protesto a favor da transformação da Casa da Morte de Petrópolis em espaço de memória. Reprodução/Rafane Paixão

Por Duda Chagas, Julia Santiago e Pedro Varjão



Em dezembro de 2024, o Governo Federal liberou 1,5 milhões de reais para a desapropriação da Casa da Morte de Petrópolis, lugar de tortura clandestino durante a ditadura militar. O dinheiro é o pontapé oficial para o projeto organizado pelo Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), com ajuda do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) , que transformará a casa em Memorial de Liberdade, Verdade e Justiça. Samantha Quadrat, professora da UFF, pesquisadora de estudos da repressão e responsável pela Casa da Morte, diz que a meta é contar a história dessas vítimas, a sua trajetória, os seus laços:


– Buscamos uma humanização das vítimas. Uma das preocupações da ditadura sempre foi desumanizar os oponentes políticos, os grupos de resistência.


A casa, que foi cenário de uma série de crimes e violações dos direitos humanos, será o primeiro espaço de lembrança do Estado do Rio de Janeiro voltado às violações da Ditadura Militar. 


O espaço foi cedido ao exército pelo proprietário da época, o filho do alemão Ricardo Lodders. Durante a Comissão Nacional da Verdade, foi descoberta a participação de Lodders como nazista, preso duas vezes por espionagem durante a Segunda Guerra Mundial. De acordo com documentos da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio) não há um número exato de quantas pessoas foram torturadas na propriedade, mas cerca de 20 militantes políticos passaram por lá. Nove delas foram identificadas graças à única sobrevivente a passar pela casa: Inês Etienne Romeu. Militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), com 28 anos a historiadora Inês ficou 96 dias na casa e conseguiu memorizar o nome de todos os militares e presos enquanto sofria diversos tipos de tortura. Graças a ela, não só a família dos presos puderam ter clareza quanto ao paradeiro dos desaparecidos, mas os militares também foram punidos por seus crimes. 


Em março de 2023, a Justiça Federal determinou que Antônio Waneir Pinheiro de Souza, conhecido como "Camarão", respondesse por estupro e tortura contra Inês Etienne Romeu. A violência ocorreu durante a prisão da militante na casa. A decisão judicial reconheceu que os crimes de estupro e tortura são imprescritíveis e não podem ser anistiados. Com isso, o TRF-2 abriu precedente para responsabilizar agentes da repressão por crimes contra a humanidade. Este processo ainda está em andamento, e a decisão final deverá sair ainda este ano.


A casa atualmente

Inspirados por Inês, grupos da sociedade petropolitana se juntaram para reivindicar o espaço como política de lembrança e objeto de estudo, como o Grupo Pró-memorial Casa da Morte. Formado a partir do fim da Comissão Nacional da Verdade, o grupo sentiu falta de alguma ação após os estudos organizados sobre o espaço e se juntou para reivindicar a criação do projeto. É o que conta Rafane Paixão, historiadora e professora da rede pública que participou da Comissão.

 

– A gente gostaria que fosse uma reparação do Estado, que o Estado Brasil reconhecesse que pessoas foram sequestradas e desaparecidas nessa casa. A gente poderia ter pedido para a esfera Municipal ou Estadual, mas a esfera Federal foi o que a gente enquanto grupo articulou, para ser um programa de governo e não de gestão. - afirmou a petropolitana.


Nilmário Miranda, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e autor do livro “Por Trás das Chamas – Da Casa da Morte aos Fornos da Cambahyba: práticas nazistas da ditadura – e outros relator sobre Memória, Verdade e Justiça”, acompanha de perto o desdobramento da Casa em Memorial. 


 Eu fui visitar o prefeito, que é de um partido vinculado à oposição e eleito com o apoio do bolsonarismo. Falei com ele que Petrópolis não podia ficar vinculado, sua história, sua imagem, a um lugar tão sinistro. Para a minha surpresa, ele não só aceitou, mas quis participar. - relembra ele.


Na época, Petrópolis havia passado por uma enchente com desabamentos e não poderia arcar com o custo da desapropriação. O Ministério de Direitos Humanos, do qual Nilmário fazia parte, também não podia comprar uma casa, então foi feito um convênio com o Governo Federal. A União financiaria, desde que a prefeitura cedesse o espaço para fazer o memorial. 


–  O prefeito apoiou a instalação do memorial, designou o principal secretário dele para acompanhar e representá-lo em todas as etapas. Quatro funcionários da prefeitura participaram das reuniões e visitaram a Casa. Então, eles se mostraram positivos para ajudar a construir e participar do memorial, fazendo o que cabe à prefeitura.


Processo judicial

Em 2012, a Prefeitura de Petrópolis declarou o imóvel como de utilidade pública, com o objetivo de transformá-lo em um espaço de memória. A decisão foi tomada pela 4ª Vara Cível, que transferiu a posse do imóvel para a Prefeitura de Petrópolis. Porém, uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) suspendeu a imissão na posse do Município de Petrópolis sobre o imóvel. A medida foi tomada pelo desembargador José Cláudio de Macedo Fernandes, da Nona Câmara de Direito Público, que concedeu efeito suspensivo ao recurso apresentado por Clarisse Pitta de Noronha e Luis Eduardo Pitta de Noronha, moradores e proprietários do local. Com a concessão do efeito suspensivo, a prefeitura está temporariamente impedida de tomar posse do imóvel até o julgamento definitivo do recurso. O processo segue em tramitação, com participação do Ministério Público, e dependerá da realização de perícia judicial para definir o valor da indenização.

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Próximos passos

Enquanto isso, o projeto segue pelo âmbito acadêmico, comandado pelo departamento de história da UFF. Além das pesquisas sobre os acontecimentos e passagens pela casa, o grupo planeja gerar um debate entre os historiadores e a sociedade de Petrópolis, para entender como o projeto pode ser benéfico à cidade e aos interessados. O primeiro passo é um seminário com representantes de diversos lugares de memórias pelo Brasil, para compreender os erros, acertos e possíveis novos caminhos.


Isso é o que conta a professora Samantha. Para ela, o projeto atual é muito mais sobre debate do que a instalação em si. A professora reforça que seu trabalho é o pontapé do memorial, que será de fato instalado e arquitetado por outro grupo ainda não escolhido pelo Ministério de Direitos Humanos. 


– A gente não está desenhando o memorial, a gente está promovendo o debate de que tipo de memorial a gente vai instalar ali, né? Do que que se espera, quais são as expectativas para esse memorial? Porque é uma história difícil. 

 

Por isso, Samantha afirma que o memorial não tem previsão para ser inaugurado ainda este ano, mas, assim que possível, a casa será aberta ao público.


Precisamos fazer a vistoria da casa, ver o número de pessoas que a gente vai poder receber. A prefeitura de Petrópolis é parceira, então também vai fazer toda a parte de acessibilidade, segurança, essas coisas, e então abrir a casa pura, como ela está, para visitas agendadas.


A pesquisadora também revelou que o memorial recebeu doações da cineasta espanhola Esther Vital, que fez um curta metragem em animação sobre a história de Heleny Guariba, que esteve presa junto com Inês Etienne. Algumas das peças doadas foram arpilleras, um tipo de artesanato chileno usado para representar a casa, Inês e Heleny, além de dois quadros que retratam o sofrimento das prisioneiras.


Além da espera pelo judicial, a falta de previsão se deve a um outro problema. Apesar do dinheiro federal cedido para a desapropriação, a construção do memorial será através de ações parlamentares. Por isso, os envolvidos seguem na luta para popularizar o projeto e conseguir apoio e investimento de deputados federais. A meta é conquistá-los, assim como a história conquistou os civis, que foram os reais responsáveis pelo avanço do memorial. 


– Foi um grupo da sociedade civil que se organizou, né, para pleitear e demandar 

essa Casa. – relembra Samantha. No fim, para a professora, o mais importante é compreender como um espaço de tanta dor e uma parte tão difícil da nossa história pode ser contada de forma sensível.


Nilmário conta que, quando o memorial for inaugurado, a organização pretende fazer uma marcha da vida para celebrar a conquista.


 Vamos voltar juntos para Petrópolis, fazer uma caminhada até lá em cima levando uma faixa, uma placa, dizendo que aqui será o Memorial. Gente que historicamente lutou por isso, a Comissão da Verdade, vereadores, deputados, agentes públicos, sobretudo o Ministério Público Federal, professores… A sociedade civil que lutou por isso. – completou o político.


 
 
 

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