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Família de vítima da ditadura enterrada em Ricardo de Albuquerque vê valor histórico em nova certidão de óbito

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    memoriasdaditadura
  • 4 de jun.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 9 de jun.


Memorial criado em homenagem a vítimas da Ditadura Militar enterrados de forma clandestina no Cemitério de Ricardo de Albuquerque. Reprodução/Grupo Tortura Nunca Mais
Memorial criado em homenagem a vítimas da Ditadura Militar enterrados de forma clandestina no Cemitério de Ricardo de Albuquerque. Reprodução/Grupo Tortura Nunca Mais

Por Davi Barcelos



A família de Ramires Maranhão do Valle, jovem assassinado pela ditadura militar, teve de esperar 52 anos para receber a certidão de óbito do rapaz com o reconhecimento explícito da responsabilidade do Estado em sua morte. Os restos mortais de Ramires, morto em 1973, foram identificados em vala clandestina no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, no subúrbio do Rio de Janeiro, local onde os agentes do regime enterravam secretamente algumas das suas vítimas. Até hoje, movimentos em defesa da memória e verdade cobram das autoridades a identificação de ossadas de outras vítimas do regime.


“O reconhecimento histórico da luta de meu irmão e do seu sacrifício, além da constatação oficial da barbárie estatal na eliminação física dos que ousaram se contrapor à violência da ditadura - no caso dos 'desaparecimentos forçados,  barbárie estendida aos familiares quando se ocultaram os corpos das vítimas”, comentou o engenheiro Romildo Maranhão do Valle sobre nova certidão de óbito de seu irmão. 


Desafios na identificação de vítimas da ditadura

A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos (CEMDP) anunciou que no dia 22 de maio de 2025, no Rio de Janeiro, vai acontecer a próxima audiência pública. Neste dia, serão entregues as primeiras certidões de óbito retificadas dos desaparecidos políticos da ditadura, além de discutir estratégias da comissão com familiares das vítimas e com a sociedade civil. 


A situação do Cemitério de Ricardo de Albuquerque é extremamente delicada, para identificar um corpo enterrado ali é muito difícil, já que uma lei estadual do Rio de Janeiro autoriza, depois de três anos de enterro, tirar da sepultura pública o morto e o corpo ser levado para um ossuário coletivo, sem cadeia de custódia, sem saber para onde foi. Além de permitir incinerar esses restos mortais, sem qualquer tipo de identificação. Portanto, a comissão tem um desafio ainda maior para resgatar os valores dos corpos enterrados lá durante a ditadura. 


A presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, a procuradora Eugênia Augusta Gonzaga, destacou que a falta de uma legislação nacional dificulta o trabalho da comissão para identificar corpos em diferentes cemitérios por todo o país, principalmente o de Ricardo de Albuquerque. 


“A situação do Cemitério de Ricardo de Albuquerque é bem dramática porque nós não temos uma legislação nacional que discipline a questão dos sepultamentos, principalmente, o sepultamento de pessoas “não reclamadas”, que são mortos que possuem identificação, mas que não existe um esforço efetivo para procurar a família e eles são listados como “não reclamados”, já que ninguém foi atrás da identificação”. 


O Cemitério de Ricardo de Albuquerque recebeu um memorial do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, em 2011, para homenagear os militantes políticos que foram enterrados em valas clandestinas no cemitério durante a ditadura militar. Dentre os enterrados, estava Ramires Maranhão do Valle, ativista político e integrante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). 


Ativista político e opositor a ditadura

Ramires Maranhão, um jovem de apenas 17 anos e fã de carteirinha da Jovem Guarda, tornou-se um dos maiores opositores da ditadura militar e um dos principais integrantes do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) na década de 60. Porém, ele também foi um dos 14 militantes políticos da época enterrado de forma ilegal em uma vala clandestina no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, no subúrbio do Rio de Janeiro. 


Um dos principais cemitério da cidade do Rio de Janeiro serviu como espaço de desova de políticos desaparecidos na ditadura militar. Segundo o Grupo Tortura Nunca Mais, foram enterrados pelo menos 14 opositores ao regime na época, mas todos foram colocados ali sem o conhecimento da família e em uma vala clandestina. 


Sete dias preso no Juizado de Menores de Recife, em Pernambuco, foi tempo suficiente para Ramires Maranhão do Valle ingressar na militância política contrária à ditadura militar. Ramires era um jovem de classe média criado por um pai sindicalista e por irmãos que faziam parte de movimentos estudantis resistentes à ditadura. A primeira detenção dele aconteceu porque ele participou de uma manifestação na praça em frente a Assembleia Legislativa de Recife, onde queimaram uma bandeira dos Estados Unidos, que era um país apoiador da ditadura militar. 


Em 1969, Ramires já era integrante ativo do PCBR e uma grande liderança política, estudantil e operária. A partir desta data, ele passou a viver na clandestinidade, ou seja, usava outros documentos e vivia escondido porque ele não podia ser encontrado pela polícia. Ele ficou foragido na região Sul do país e também no Rio de Janeiro. 


“Meu último encontro com Ramires foi logo depois do Carnaval de 1972, na rodovia BR-101, onde ele pegou um ônibus para sumir. Ramires sempre andava armado porque dizia que jamais ia aceitar ser preso, então ele reagiria a qualquer tipo de prisão. Além disso, ele não aceitava que nossa família levasse ele para fora do país. Para ele, tinha que ter alguém aqui dentro reagindo e lutando contra”, comentou Romildo Maranhão, irmão de Ramires. 


“A partir disso, eu tive uma certeza absoluta na minha vida, meu irmão não era procurado para ser preso, ele era procurado para ser morto. A ditadura queria o fim dele, sem deixar qualquer tipo de rastro”, concluiu Romildo. 


Em outubro de 1973, Romildo assistiu em uma edição do Jornal Nacional, maior telejornal do país, que um carro havia sido incendiado com quatro jovens dentro em uma praça no bairro de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.


 
 
 

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