Resistência à criação de centros de memória prejudica a luta contra a repetição de crimes da ditadura
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- 28 de mai.
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Atualizado: 25 de jun.

Por Clara Kasprzykowski, Gabriel Radicetti, João Vitor Braga e Valentina Rocha
A suspensão judicial do processo de desapropriação da Casa da Morte de Petrópolis, local onde funcionou um aparelho clandestino do Exército na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, durante a ditadura militar, simboliza o impasse que trava a luta pela transformação de antigas masmorras do regime em espaços de memória e de tributo à democracia. A intenção da prefeitura local é fazer ali o Centro Memorial de Liberdade, Verdade e Justiça, mas os atuais ocupantes conseguiram uma liminar que os manteve no imóvel.
O caso de Petrópolis não é isolado. Na capital, a Polícia Civil tem atuado diretamente para impedir a transformação do antigo prédio do DOPS, símbolo da repressão desde o Estado Novo, de Getúlio Vargas, em um centro de memória voltado à defesa dos direitos humanos, como recomendado pelo Ministério Público Federal (MPF). Entre as barreiras impostas, estão a recusa da Polícia Civil do Rio em desocupar o prédio, mesmo sem uso funcional definido, e a negativa em ceder documentos históricos que deveriam compor o acervo da futura instituição.
Aos dois episódios, que ilustram as resistências institucionais diante da consolidação de políticas públicas de memória que remontam os tempos mais obscuros do período militar no país, se soma a posição do Exército, que nem sequer permite o acesso de autoridades internacionais da área de direitos humanos à sede do 1º Batalhão de Polícia do Exército na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca (RJ), onde funcionou o DOI-Codi, uma das mais violentas masmorras da ditadura, local do assassinato do ex-deputado Rubens Paiva.
A Comissão Nacional da Verdade (CNV), instituída durante o governo de Dilma Rousseff, reconheceu um total de 434 mortes e desaparecimentos durante o regime militar. A procuradora Eugênia Gonzaga, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, disse que relembrar os crimes cometidos pelo Estado, na época, são uma forma de reparação imaterial. Para ela, os centros de memória oferecem consolo simbólico às famílias e atuam como garantia de que as violações do passado não se repitam.
Eugênia Gonzaga lamenta a falta de políticas públicas que enfrentem as tentativas reiteradas de apagamento desta memória da violência:
- Até hoje, não há um órgão permanente que dê continuidade ao trabalho iniciado pela Comissão Nacional da Verdade.
Tentativa de Golpe em 2025
O radicalismo de extrema direita que assolou o Brasil, nos últimos anos, associado ao apagamento de memória, explica os acampamentos nas portas dos quartéis e o 8 de janeiro, quando um grupo de civis, com respaldo e financiamento de empresários e políticos, em 2023, invadiu e depredou a sede dos Três Poderes, em Brasília. Entre as reivindicações, eles pediam por uma intervenção militar. O caso foi denunciado pela Procuradoria Geral da República e está em julgamento no STF. Até agora, dois núcleos estão sendo avaliados.
Entre os réus estão o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o general do Exército e ex-ministro da Casa Civil e da Defesa Walter Braga Netto. Eles são acusados de tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito, organização criminosa armada, golpe de estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da união, e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado.
Para Eugênia Gonzaga, o mesmo rigor exigido nos processos de justiça transicional deve ser aplicado aos responsáveis pelas recentes ameaças à democracia. “É preciso apurar, responsabilizar e preservar a memória do ocorrido. Isso é o que fortalece as instituições”, defende, e completa que as estruturas autoritárias encontram terreno fértil para se repetir atos como este caso não sejam lembrados e tenham a devida importância dada.
Ela aponta ainda a omissão histórica do Estado, a falta de um órgão permanente para dar continuidade às ações da Comissão Nacional da Verdade e a persistência da desinformação herdada da ditadura. “O Brasil precisa romper com o silêncio e a cultura da impunidade”, aponta.
Regimes autoritários e a desinformação
Uma das estratégias que advém de períodos autoritários é a disseminação de desinformação para confundir a população civil sobre a própria história. A tentativa de recontar o passado a partir da relativização das violações cometidas é um dos exemplos que ameaçam o estado democrático. Junto com ela, estão as investidas para dificultar o acesso a antigas informações. Documentos armazenados em prédios históricos sob os cuidados de agentes policiais correm o risco de serem apagados, como já ocorreu na sede do DOPS, no Rio de Janeiro, quando a polícia jogou em sacos de lixo documentos do período militar que detalhavam atuações de antigos agentes.
A primeira comissão sobre crimes do período foi criada somente em 1995 e, ainda assim, com limitações impostas por acordos silenciosos feitos durante a transição democrática. A procuradora da República aponta que a luta por memória e verdade sempre enfrentou obstáculos e muitas medidas fundamentais seguem pendentes ainda hoje.
Ao comentar as dificuldades enfrentadas por iniciativas de memória, Eugênia rebate a postura hesitante de governos que buscam se distanciar do tema em nome da governabilidade. “O Brasil precisa romper com o silêncio e com a cultura da impunidade. A democracia não se sustenta em amnésia”, conclui.

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